quinta-feira, 20 de abril de 2023

Depois de Muito Tempo

Um dia ainda vou entender o por quê de ter criado esta página. Me recuso a chamá-la de blog. Não gosto de trazer palavras estrangeiras para meu idioma nativo, nunca gostei. Imagina se volta e meia fôssemos conversar e eu soltasse coisas meio inglês, meio português durante o diálogo? Mas entendo que, hoje, é inevitável. Não há como não falar mouse para falar daquele aparato de mexer setinhas no computador, nem deixar de fazer um check-up quando você faz 35 anos e seu médico deseja, apenas por garantia, confirmar se realmente você está em dia com sua saúde. Muito específico.

Um dia criaram o Scanner e, ato contínuo, criou-se o verbo escanear (termo desconhecido para o Microsoft Word 2016, que me sugeriu escancear e escanar no lugar. Em 2016 já existiam Scanners e seu ofício muito bem conhecido). 

Ou, uma outra situação, mais genérica. É sábado e você, tomando uns drinks naquele bar alternativo, pouco movimentado numa quinta-feira, ao som de rocks obscuros da década de 1980 e rolando o feed do Facebook em busca de algo mais interessante do que debatem as pessoas ao seu redor, falando  mais alto do que a música que escapam distorcidas do precário sistema de som. Você vê a postagem (atente: verbo postar, filhote do verbo to post...) daquela pessoa por quem desenvolveu um crush um tanto caótico, apesar dela ser um pouco fitness demais para o seu gosto soturno, noturno de coturno. A mensagem te distrai quando alguém grita selfieao seu lado e mal da tempo de fazer aquele sorriso fake que em geral você faz não-quer-tirar-foto-mas-já-que-está-ali no momento em que o flash da câmera que fez a foto quase tirou-lhe a capacidade de enxergar. Quando volta os olhos cintilantes para a tela do próprio celular deseja nunca mais ficar online na vida. É claro que não dá certo, pois cinco exatos três minutos depois de colocar o aparelho no bolso e tomar o ultimo gole da bebida amornando à sua frente, você está digitando mais uma vez ashketchumdacidadedepallet para ter acesso ao seu vício tecnológico de sempre. Sim, essa é sua senha. 

Consegui ficar bem ficar bem deprimido escrevendo toda essa cena. Resumindo: crianças aprendam Língua Portuguesa.

quinta-feira, 5 de agosto de 2021

Poema 19

Meu sonho está em todos os lugares
Está sempre onde eu não posso estar
Voa longe, distante e perto ao mesmo tempo

Meu sonho anda e olha e alegra-se
Espera a chuva tanto quanto o sol
Meu sonho canta quando está triste
Canta pra trazer p’ra dentro tudo o que há de bom

Meu sonho ri das coisas mais simples
E maravilha-se com o menor dos silêncios
E, para o que todos dizem ser impossível
Gosta de pensar que há sempre um novo dia

Meu sonho é leveza quando tudo pesa
É a maré que me leva embora
Quando não há mais onde se estar

Meu sonho é o descanso esperado
A luz que desenha as estrelas
Infinitas na palma das nossas mãos

Meu sonho dorme ao nascer o sol
E nos encontramos no apagar dos dias:

Cresce quando a coragem desperta
Acende e ilumina quando
Meu sonho vive, e não sei quando viveremos
Incompletos até que seja o momento
Lamento a cada tempo a saudade do meu sonho
A cada segundo que meus olhos não se fecham.

terça-feira, 23 de março de 2021

Mini Álbum no BandCamp - às quatro

Alô!

Consegui, com certo custo, finalizar quatro músicas e agrupá-las num mini CD. Pode parecer, mas não é assim tão simples escrever, gravar e produzir canções sozinho. Ainda é meu jeito favorito por ter o total controle do tempo em que as coisas acontecem, apesar de gostar (muito) de colaborações também. Coloquei as canções agrupadas sob o título às quatro. Um trocadilho com a quantidade de músicas que há e com o melhor horário para se ouvir tais canções. Em breve, o CD vai estar em diversas plataformas de streaming, como Spotify, Deezer, Itunes, só esperando para que seja escutado e apreciado. As canções, como todas, sempre feitas com o maior carinho por mim, que sempre tenta extrair o melhor do que eu tenho e do que posso fazer. Você pode usar o código caduartista até o dia 01 de Maio (veja só, meu aniversário!) para comprar meu Cdzim com 50% de desconto (ou seja, 1 Dólar, o que dá aproximadamente 800 reais na cotação atual =P). Segue o link e a arte da capa, logo abaixo:

https://cadumello.bandcamp.com/releases

Obrigado! E rock-se!



segunda-feira, 8 de março de 2021

Início

 Os sons de buzina às vezes me causavam um sobressalto, me tirando daquele estado que às vezes eu entrava simplesmente por ter que ficar ali, esperando. Os faróis dos carros começavam a se acender e me pus a pensar que, talvez, começasse a sentir frio ali fora. Mas não queria entrar, estava inquieto, pensativo.
           Uma a uma, as pessoas foram saindo. Elas passaram por mim, sentado ali na pequena escada vermelha no pátio da escola que dava diretamente para a rua. Alguns dos meus colegas, ao saírem para encontrar com quem viera buscá-los com quem viera buscá-los, passaram a mão na minha cabeça e bagunçaram ainda mais meus cabelos já naturalmente bagunçados e se despediram com um animado “até amanhã”, pois estavam finalmente indo para casa. Já era quase um ritual, que se repetia e repetia.


segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Primeiras linhas de um novo livro. Será?


Aquelas mãos pequenas e brancas foram as primeiras coisas que vi; as unhas já perdendo o esmalte lilás e a forma fina dos dedos que eram um pouco inquietos, mais ou menos como os meus. Esses primeiros contatos com pessoas inéditas sempre me foram complicados e, nunca havia sido particularmente fácil abordar quem eu não conhecia. Nunca havia traquejo social suficiente em minhas células para que eu pudesse me inserir de forma suave num universo diferente.

Ela, de forma absorta em algo que não estava ali, ainda não havia notado a forma retraída que pousara em sua frente com um livro de espessura considerável em mãos. Meus olhos subiram de suas mãos, pousaram em seu rosto e pigarreei, buscando trazê-la daqueles aparentes devaneios. Pensei comigo mesmo se ela sempre observava todas as pessoas que ali apareciam da mesma forma que sem dúvida era notada, já que, se aquela sala ampla e cheirando a mofo fosse um reino, seria ela a monarca. Cheguei à conclusão de que talvez grande parte disso se devia ao fato de o tráfego ali nunca ser dos mais intensos. Era, na melhor das hipóteses, mais movimentado do que alguns cemitérios, o que não era muito diferente, sendo ali o último destino de personagens, histórias, traças.

quarta-feira, 29 de março de 2017

Soneto XX

As cortinas se fecham e com elas a luz
Na escuridão que nasce vejo teu rosto
Ele me sorri e me abraça e me brinda
Com os sonhos que há muito me habitam

E neles sou a brisa que longe te busca
Que te encontra e dança teus cabelos
Sou o sol que te acorda, te beija e ilumina
As sardas que tens perdidas pelos braços

Acordo, e meus olhos te procuram no breu
Nao te acham e se lembram que era sonho
Que trazia teu corpo e o juntava ao meu

No frio dessa noite que o silêncio clama
Que os dias não se percam, ou me enlouqueçam
Até que chegue finalmente o mês de Maio.

quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Desaventuras em Cataguases

Dia 1

Era um dia como outro qualquer, tirando o fato de que era uma quinta-feira. Como todos sabem, nem todos os dias são quintas-feiras então não podemos necessariamente dizer que aquele era um dia como um outro qualquer. Por que era uma  quinta-feira, dia 11 de agosto.

Eu tinha alguns planos para aquela quinta-feira, mas, grande parte desses planos foram criados por que na sexta-feira, dia 12, eu precisaria estar em Leopoldina para fotografar a colação de grau do meu amigo Vinicius Martins, que ocorreria à noite, por volta das 19h. Ele havia me contratado para este trabalho pois sabe que piloto uma câmera fotográfica tão bem quanto piloto um fogão. A ideia era sair de Além Paraíba (eu estava na casa da minha avó, dona Hilda) e parar em Leopoldina para almoçar, deixar minhas coisas na casa do meu amigo e dar um pulo em Cataguases ver meus amigos Morani, Terezinha, Laila (e seus três anos de pura bagunça), Fernanda, Lucy, Luana, Paty e todo esse pessoal bacana que aquela cidade louca me apresentou. Basicamente, um bate-volta para não pentelhá-los muito com minha presença estonteante, e eu voltaria no mesmo dia para Leopoldina e lá pernoitaria, já pronto para a grande sexta-feira.

Porém, o plano não deu muito certo. Não consegui contatar o Artur, irmão do Vinicius, para pedir permissão para que eu pudesse lá passar a noite. Como não tinha mais o que fazer, na quinta de manhã, decidi que iria para Leopoldina na sexta mesmo e não daria para visitar o povo de Cataguases. Fiquei triste, pois estava com saudade da galera e de brincar com a Laila. Mas haveria uma próxima oportunidade. Mandei uma mensagem para Terezinha avisando que, infelizmente, não daria para visitá-los e contei tudo o que você já leu aí em cima. Alguns minutos de silêncio no Whatsapp, e então recebo uma mensagem do casal amigo dizendo que eu poderia passar a noite na casa deles, caso eu quisesse. Fiquei um pouco reticente, pois não queria, de fato, ser uma visita chata. Mas eles disseram que eu realmente deveria ir, que não haveria problemas. Preocupado, concordei, mas estava feliz em ver aquela baixinha de novo. Não só ela, claro. Antes que briguem comigo. 

Avisei minha querida avó que partiria depois do almoço para Cataguases, no ônibus de 15:30 (ônibus este que iria para Leopoldina, e de lá pegaria outro para Cataguases), e fui arrumar minhas coisas. Coisas essas basicamente meu equipamento fotográfico e umas poucas roupas. Aliás, apesar de ser pouca coisa, não coube tudo na minha mochila. A bolsa da minha câmera (com a câmera dentro, obviamente) precisou ficar de fora e ser levada na mão. Apesar de eu não gostar de carregar duas coisas, dessa vez não pude escapar disso.

Uma vez no ônibus, a viagem transcorreu tranquilamente. Tão tranquilamente que nem lembro do que fui ouvindo no celular. Provavelmente era Raça Negra. Foi uma viagem bem curta, levando bem menos tempo que esperava, e eu cheguei lá na rodoviária de Leopoldina na hora que a linha Leopoldina-Cataguases estava partindo. Consegui correr, mesmo com uma mochila nas costas e uma bolsa de câmera no corpo. Quase um Indiana Jones mineiro (coloque o tema de Indiana Jones para tocar neste exato momento).

A primeira coisa a pensar no novo ônibus, agora em direção a Cataguases, era: onde descer? A minha ideia (minha cabeça sempre com alguma ideia burra sendo produzida) era chegar de surpresa na loja dos meus amigos. Porém, eu não fazia ideia de onde pudesse descer do veículo em Cataguases de forma que ficasse perto da loja em questão. Pensei em descer na rodoviária mesmo e de lá usar o mapa do meu celular para ir me guiando pelas ruas malucas daquela cidade maluca. Era uma boa ideia, apenas tirando o fato de que a bateria do celular estava quase no fim... Olhei para o mostrador da bateria e indicava 7%. Bateu aquela angústia, e andei com os olhos para lá e para cá enquanto o ônibus não saía, pensando em alguma solução. Percebi que estava bastante vazio, o que eu achei estranho, por ser um horário de Rush (coloque Tom Sawyer para tocar neste exato momento), 16:45 da tarde aproximadamente.  Não havia ninguém perto de mim a quem pedir auxílio, tirar dúvidas, falar sobre a novela... Nada. Ou pelo menos, eu achava que não havia alguém. Eu estava sentado em um dos últimos bancos e prestando atenção percebi um movimento no banco da frente, uma leve remexida. Levantei a cabeça um pouco pra olhar e vi uns cabelos lisos.

Ok. Uma pessoa ali. Vou perguntar onde desço. Porque preciso descer perto do Bahamas. Que fica dentro de uma estação. Eu acho. Vou perguntar. Depois eu pergunto. É, depois. Mas perguntar agora seria melhor. Daqui a pouco então. Quando o ônibus andar. Acho que a bateria dura, então não preciso perguntar nada. 6%. Droga. Vou ter que perguntar.

Estico minha cabeça um pouco acima da poltrona, estufo o peito e digo:

- Oi, olá, com licença, você pode me salvar? - que jeito de se abordar uma pessoa desconhecida. E provavelmente saiu tudo embolado. A pessoa leva um susto e eu vejo que é uma menina magrinha de óculos. E eu achando que era um rapazinho de cabelos compridos...

- Oi... O Quê? - Foi tudo o que ela respondeu na hora.

- É que é o seguinte... - E comecei a explicar que estava indo para Cataguases e não sabia onde descer, que precisava chegar ao Bahamas e não sabia como. Ela disse que iria me salvar, pois ela desceria em um lugar que ficava bem próximo de onde eu precisava ir e eu poderia descer com ela que me mostraria por onde ir. Pronto. Agradeci à boa vontade daquela menina e cada um seguiu sua própria viagem em silêncio.

Na hora de descer eu pensei em esperar que ela descesse primeiro. Meio burro da minha parte. Ela não precisava me guiar até pra sair do ônibus. Desci primeiro e a esperei sair do veículo, com bastante vergonha. Mas enfim descemos e ela tomou a dianteira. Disse que íamos andando até o cursinho dela e dali ela me diria pra onde ir. Eu falei que ótimo, já é mais do que mereço. Perguntei a ela se ela estudava em Leopoldina e ela me disse que era o contrário: ela morava em Leopoldina e vinha todos os dias à Cataguases para estudar à noite. E a conversa fluiu muito bem, para dois estranhos. Em certo ponto descobri que ela se chamava Camila e a conversa estava muito boa, até finalmente chegarmos ao cursinho. Dali em diante eu estaria sozinho. Mas não foi bem o que aconteceu. Apesar de eu bater o pé, ela quis continuar andando comigo até o Bahamas (detalhe: do cursinho ao Bahamas era bem mais longe do que de onde descemos até o cursinho!). Eu achei muito bacana da parte dela e é raro encontrar pessoas assim hoje em dia. Provavelmente nunca mais a verei novamente, mas foi uma coisa muito boa tê-la conhecido. 

Cheguei à loja e não causei tanta surpresa assim, não. Lá estavam Fernanda e Tê (apelido carinhoso da Terezinha). Eu não havia fofocado muito com as meninas quando chegou o Morani Pai e dei aquele abraço nele e trocamos algumas figurinhas, depois de tanto tempo sem vê-lo também. Terminados os cumprimentos e as novidades, fomos buscar a filha do casal amigo, a Laila, que estava na casa da avó, para que pudéssemos ir jantar. E como é bom reencontrar aquela mini-cidadã de novo! Se eu pudesse escolher uma pessoa que fez valer meu 2016, certamente escolheria a Laila. Sem empates - e agora, ponha Layla, do Eric Clapton na vitrolinha, por favor.

O jantar, regado com uma cervejinha (não pode faltar, pois nenhuma boa história começa com "estava eu tomando suco de morango..."), foi bem divertido. Ouvi alguns conselhos muito importantes, falei umas piadas ruins - normal - planejamos o futuro e saímos de lá satisfeitos. Levemente alterado, entrei no meu carro que deixei emprestado com o Morani (risos, ele vai entender a piada) e fomos para a casa deles para finalmente dormir. Ou esse era o plano.

Chegando lá, comecei a brincar de pique-esconde com a Laila. E eu levo muito a sério essas brincadeiras. Lá pela sexta ou sétima vez que eu iria me esconder para que ela me procurasse, eu quis descer as escadas para me esconder na cozinha. Péssima escolha, péssima escolha.

Não sei como, quando, onde, porque eu perdi o equilíbrio. Numa escada alta. A primeira reação que tive foi procurar onde segurar, mas não havia onde. Acabei me jogando com força na parede, bem em cima do meu braço que, senhoras e senhores, foi protagonista de um outro texto neste mesmo blog. Qual minha surpresa quando sinto e ouço um "créeec" saindo do meu ombro? Pronto, saiu do lugar de novo, cinco anos depois. No susto, ainda acabei rolando o resto da escada todinho, só parando no patamar. Devem ter sido uns 15 degraus. Doeu. Sei que minha queda foi um baita barulho e acho que ouvi o Morani falando lá de dentro:

 - O que foi isso, Meu Deus?

Eles foram até a escada e tenho certeza de que o que viram lá do alto era uma bolinha de papel amassado no patamar - eu - segurando o braço fora de lugar. Os dois desceram para ver mais de perto a cena e pareciam um tanto apavorados. Depois que subimos as escadas de volta, Terezinha pegou o telefone para pedir socorro a umas pessoas quem não lembro quem, para ver o que fazer comigo. Sério, eu fiquei com vergonha demais. Logo eu, que tem pavor de dar trabalho para as pessoas, de ser um incômodo...

Laila se aproximou de mim e viu em meu rosto a dor que perpassa meu braço esquerdo - sempre ele, desgraçado. Vou arrancar essa porra fora. Ela me perguntou com uma vozinha vacilante e com os olhos rasos d'água se está doendo. Eu falo que sim, muito... E é aí que a cara de choro dela aperta um pouquinho mais. Me arrependi de ter dito a ela que estava doendo.

Parecia que a solução era mesmo ir à Unidade de Pronto Atendimento de Cataguases e lá puxarem meu braço para ser colocado no lugar. Dessa vez meu braço ficou numa posição deveras esquisita e eu parecia estar imitando Clodovil Hernandes, com a mão levantada fazendo ângulo reto no cotovelo. Aliás, até fingia estar coçando a orelha, só pra ficar com menos vergonha um pouco daquela pose pouco usual.

Até que fui atendido rápido! Já cheguei lá levando esporro da Terezinha pra parar de fazer bagunça e prestar atenção no rapaz me pedindo os meus dados para dar entrada na UPA. Dados anotados e eu finalmente sentei pra esperar ser atendido e, pasmem, foi rápido. A minha experiência anterior com a mesma situação não me evocava boas lembranças sobre espera. Portanto, foi um choque agradável me descobrir já na sala de raios-x minutos depois de dar entrada na UPA. O rapaz do raio-x precisava fazer o trabalho dele, então ele pedia que eu fizesse movimentos que provavelmente meu braço estava impedido de fazer. Até tentei mas o danado não se movia direito. Por fim, o cara desistiu de fazer a chapa direito e foi do jeito que deu: errado mesmo. Mas, já que ele disse que já ajudaria, estava ótimo.

Eu sentia no meu âmago que o momento da verdade estava próximo. Todos ansiavam me ver berrando e esperneando de dor para darem algumas risadas naquela noite fria de agosto. Depois que levei o raio-x ao ortopedista ele me disse para deitar na mesa que iam puxar meu braço. Estranhamente não me pediram para tirar a roupa como em São João Del Rei. Aliás, ninguém entendeu porque me pediram para ficar seminu para botar o braço no lugar da outra vez. Quando contei, riram da minha cara. Normal. Mas, uma vez deitado, começou o ato de pisar nas minhas costelas para intensificar a força de puxada. Fechei os dentes com força e comecei a cantar Faroeste Caboclo na cabeça (para passar rápido e/ou desconcentrar da situação ambiente – já usei bastante essa tática). Contra todas as chances (agora, ponha Against All Odds do Phil Collins aí no Walkman) o ortopedista era um ótimo puxador de braços e me deixou calmo, o que era imprescindível para que os músculos do ombro não se retesassem. Em uns cinco minutos de puxa pra lá, puxa pra cá, o ombro delicadamente escorrega para o lugar certo – e a dor sumiu, como que por mágica. Me deram uma tipóia (gaze amarrada) e me pediram para não mexer o braço quase nada durante um bom tempo. Mal sabiam eles que no dia seguinte eu precisaria fotografar uma colação de grau!

Todos felizes agora com meu braço no lugar, voltamos pra casa dormir. Foi uma loucura.

Dia 2

Dormir foi uma agonia. Tive que ficar imóvel e tomando cuidado pra não mexer bruscamente durante o sono e isso durou a noite toda. Se eu dormi, não lembro. Se eu não lembro, provavelmente dormi, sim. Mas não foi legal não. Mas, tão ruim quanto dormir, seria começar a fazer tudo me usando de um braço só em 90% das coisas. Até um inofensivo xixi se tornaria uma luta épica com o fecho da bermuda/calça.  

De manhã, assim que acordei, já comecei a brincar incansavelmente com a Laila. Como se não houvesse amanhã. Na verdade, não haveria, pois eu precisaria ir 14h para Leopoldina para a casa de meu amigo me preparar para a colação de grau.
Almoçamos e fomos para a loja um pouco. Morani me daria carona até a rodoviária mais ou menos quando chegasse a hora. Era legal ir à loja, afinal eu precisava me despedir dos amigos doidos que trabalhavam/passavam por lá. Tive que contar em poucos minutos a odisseia para o pessoal me sacanear, como já era esperado... Mas tudo bem, faz parte. E, como todas as coisas boas acabam, chegou a hora de dar tchau.

Morani falou que era hora de ir senão perderia o ônibus, e assim peguei minha mochila e a bolsinha da câmera, entramos no carro e nos encaminhamos para a rodoviária de Cataguases. Não sei porque, sempre tive vergonha de me despedir da pessoas. Não tenho jeito mesmo para fazer isso. Não se se abraço, aperto as mãos, ou tudo ao mesmo tempo, o que eu falo, se não falo nada, sei lá. É difícil, não me julgue.

Havia um ônibus de rua que fazia o trajeto entre Cataguases e Leopoldina, e vice-versa. Porém, não me lembro a razão, acabei comprando a passagem de um ônibus de viagem que iria para Juiz de Fora, às 14h, mas pararia em Leopoldina antes, aí eu desceria lá. Saindo do guichê já havia um ônibus me esperando, ônibus este da empresa da qual comprei a passagem. Me despedi do Morani, o agradeci pelos cuidados com um jovem acidentado e entrei no veículo. Já entrei procurando a poltrona e, quando a encontrei, coloquei ali minha mochila e a bolsa da câmera. No momento em que ia me depositar também no assento, ouço a voz do motorista:

- Rapaz, vem cá. Deixa eu ver tua passagem.

Que medo. Mas ainda bem que ele fez isso, sabe porquê? Eu tinha entrado no ônibus errado. O ônibus que eu havia entrado estava indo para Muriaé! E digo mais, o ônibus para Juiz de Fora (o que me deixaria em Leopoldina) já tinha saído. Uns meninos na poltrona frontal do ônibus me falaram que o ônibus de Juiz de Fora acabara de partir. Que ódio. Peguei minha mochila, me despedi dos meninos e para pensar no que fazer. Botei minha mochila no chão encostada em uma pilastra e já estava pensando em perguntar à moça do guichê das passagens se havia algum ônibus em breve que me largasse lá em Leopoldina. Quando olhei para minha mochila sozinha ali no chão, me lembrei que eu também carregava minha câmera em sua bolsinha. Mas a bolsinha, a danada, não estava ali. O coração bateu forte. Levantei a mochila, levantei os meus pés, dei uma volta na pilastra onde eu estava e nada da bolsinha. Já sei, pensei, deixei a desgraçada no ônibus. Calmamente, já ia me dirigindo para onde o ônibus estava e... O ônibus não estava mais lá!

- CARALHO!!! – foi tudo o que consegui pensar. Em voz alta. Altíssima. Coloque a música Tragedy, dos Bee Gees, pra tocar.

Comecei a andar igual a um desesperado na rodoviária e me xingando em voz alta enquanto tentava pensar. Tentei ligar para a loja, mas não tinha crédito. Tentei ligar pro Morani, mas não tinha o número dele; tentei ligar pra Terezinha; mas não tinha crédito do mesmo jeito. Não tinha wi-fi perto pra eu roubar também, antes que você fale. Saí da rodoviária com a mochila nas costas, suando frio e lá fora, sob um sol de faroeste, avistei um taxi. Não pensei duas vezes. Corri até ele, com o braço na tipoia, mochila num ombro só e tudo – doendo, óbvio – e falei ao motorista:

- Você sabe pra onde o ônibus de Muriaé vai? – falei rápido, mas tão rápido que eu não entendi. Mas o taxista entendeu. E olha que ele parecia ter uns 120 anos.

- Sim, eu sei – respondeu de dentro do automóvel, enquanto eu já entrava e berrava pra ele “então vamos atrás! Logo!”

Saímos em disparada, uma verdadeira perseguição. Eu torcia para encontrar o ônibus logo pois eu estava PAGANDO o taxista pra me levar. Se bem que, desde que eu encontrasse a câmera, eu pagaria qualquer coisa.

O taxista cortou um caminho e depois de 1km ou mais um pouco ele me deixou em um ponto de ônibus onde, supostamente, o ônibus de Muriaé ainda não passara. A viagem me custou dez reais e meu coração batia acelerado, torcendo para que, realmente, o ônibus não tivesse passado ainda.

Fiquei em pé no ponto de olhos fixos na rua, um braço amarrado numa gaze e uma mochila de uns 10 quilos nas costas. Estava arrasado e desesperado. Não poderia perder aquela câmera! Minha única fonte de renda indo embora assim, pra Muriaé... Seria um golpe muito forte da vida. E, viajando na minha desgraça, um ônibus de repente pintou no horizonte. Qual minha surpresa quando vejo MURIAÉ escrito bem no alto do pára-brisas. Corri igual um louco para o meio da rua e fiquei pulando mexendo um braço só e o ônibus parou!  Entrei e já perguntei ao motorista,

- Oi tudo bom acho que minha câmera ficou aqui lembra de mim eu subi e desci porque estava no ônibus errado você lembra lá na rodoviária? Então.

- Sei não filhão, olha lá atrás. – e seguiu viagem dirigindo o ônibus. Comigo dentro.

E eu fui. E ela não estava lá na minha poltrona.

Olhei pra cara da trocadora quase chorando, e ela olhou pra mim e eu perguntei a ela sobre minha bolsinha. E sei lá porque, a câmera estava na parte de cima, das bagagens do outro lado do corredor! Ela pegou a bolsinha e me deu. Eu ainda abri a câmera e mostrei uma foto minha na memória só para provar que eu era mesmo o dono. Pra coroar a situação era uma foto sem camisa. Feliz da vida em rever minha máquina, pedi ao motorista me deixar em qualquer lugar. Os meninos do banco da frente me zoaram ainda, os mesmos que me avisaram que o ônibus de Juiz de Fora havia partido, disseram pra mim:

- Você nunca mais volta em Cataguases né.

- Tomara que não – e expliquei ainda sobre meu dia anterior onde ferrei meu ombro.
Desci não sei onde. Mas eu parecia muito longe da rodoviária. Não sabia o que fazer, então decidi voltar pra loja dos meus amigos. Fui andando e perguntando onde era o Bahamas e depois de quase meia hora andando, cheguei à Norma Celeste.

Não preciso nem dizer a cara com que me viram chegar novamente à loja. Eram caras de legítimas interrogações. Contei a eles a minha história e é lógico, eles acharam-na absurda e que – como todos fazem – disseram só podia ter acontecido comigo, mesmo. Eles ficaram espantados me deram novamente carona até a rodoviária. Dessa vez, fizeram questão de ter certeza de que eu havia entrado no ônibus certo. 

quinta-feira, 14 de julho de 2016

Soneto XIII

Não desejo que me prometas verdades
Nem flores quando primavera já não há
Desejo apenas que me olhes com olhos
Que procuram, encontram e se fecham

Não anseio o infinito; a manhã ainda raia
E deitada em meu canto, ri, sorri, encanta
Deixando leves meus medos incontáveis
Tornando eterno até o mais breve tempo

E tu me acenas distante um leve adeus
Quando ainda no meu ombro ainda sinto
Teu recostar e, no travesseiro, teu cheiro

Que meu sono entorpece e desvirtua,
Que me rouba pensamentos e navego
Sem destino no oceano dos teus braços.

terça-feira, 29 de março de 2016

Na Trave

Durante um tempo na minha vida eu joguei muita bola. Não fui dos ótimos, nem dos bons, mas dos razoáveis. Devia ter 11 ou 12 anos, e gostava muito de driblar; pegava a bola, deixava uns marcadores para trás e queria fazer gol sozinho. Coisa de criança mesmo. Treinava futsal duas vezes por semana numa escolinha lá perto da minha casa, em Além Paraíba ,e por ser o menor, nunca tinha muita chance contra os mais velhos e mais altos. Independente disso, eu jogava bola na rua também, quando ia para a casa dos meus primos em Sapucaia e, foi com eles que mais aprendi. Todos bons de bola. Eu era o pior, naturalmente, mas não faz mal. Estava em família. Nos recreios colégio e eventos esportivos eu também joguei bastante e, numa dessas aventuras esportivas um fato curioso despertou a atenção do meu amigo Vinicius (o mesmo de outros textos aqui do blog). 

Depois de centenas de partidas realizadas entre nós, seja onde for (na escola, na rua, na casa da avó dele lá perto do Aterrado), ele percebeu que eu tinha uma mania. Toda vez que eu mandava um chute para o gol eu acertava alguma das traves ou o travessão (quando havia). Quando era "gol de chinelo" ou "gol de paralelepípedo" dava na mesma. A bola batia no chinelo, que saía voando, ou no paralelepípedo e ia para outro lugar que não fosse dentro do gol. A situação era tão absurda que, ele vendo que eu planejava chutar a gol, já gritava:

- Na trave, Carlet! Na trave! 

E não dava outra. Eu me preparava com tanto carinho e regulava o pé e... Trave! Era engraçado. eu mesmo me divertia com essas coisas, e passei então a mirar o chute na trave para ver se acertava o gol. Mas nem assim. 

Recentemente fiz uma reflexão relacionando a tal habilidade de acertar a trave com vários aspectos da minha vida em geral. Percebi que, mesmo em outras áreas que não envolvem futebol, eu nunca acerto a meta propriamente dita. Estou sempre batendo na trave em quase todos os assuntos da vida, seja na vida profissional, amorosa, familiar, social. Até na vida anti-social (minha preferida) eu raramente acerto. Estou sempre almejando algo e quando eu acho que vou conseguir... Ouço o som da bola batendo na trave indo para fora. 

Tem coisa que não muda. 

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

Problemas de Ser Um Cara Fora de Moda

Tem dia que eu penso demais. Mas tem dias que eu sou a besta quadrada que normalmente sou. Hoje eu me sinto um tanto enquadrado na primeira categoria, tendo acordado cedo depois de tomar Jack and Coke (uma singela homenagem à Lemmy Kilmister e sua bebida preferida). Parece que a bebida, durante o sono, ativou certos neurônios que cochilavam tranquilamente há décadas e, muito provavelmente, continuariam adormecidos por outros tantos anos. Mas não, eles acordaram e começaram a cantar Bee Gees. 

Em estado avançado de raciocínio inútil, coloco lado a lado coisas completamente aleatórias que, no fim, acabam me levando a uma resposta que eu nem sabia que pudesse existir. Não vou citar toda a minha linha de pensamento aqui (ela inclui segredos de altíssima periculosidade caso caiam em mãos erradas), mas cheguei à conclusão de que não sou um bom exemplo de pessoa que acompanha as tendências do coração para o século corrente. A primeira coisa óbvia é que não sou "pegador". E pegador, para que estejamos juntos em raciocínio significa (de acordo com o Dicionário Cadurélio):

Adjetivo. Diz-se daquele ou daquela que possui uma vasta quantidade de relacionamentos efêmeros com outras pessoas em  um curto período de tempo.

Você me enxerga como possuidor de tal definição em minha personalidade? Nem eu. Vejo colegas contando histórias daquilo que fizeram, quem pegaram, onde pegaram, quantas vezes pegaram... Na hora em que pergunto qual o nome da pessoa muitas vezes eu ouço "Sei lá, VÉI". Quero deixar claro que não me importa como cada um vive sua vida, mas algumas coisas me fazem sentir uma certa invejinha saudável. Se algum amigo me fala "cara, eu sou muito foda em Dark Souls"... Disso eu tenho inveja. Se outro me fala "cara peguei 239 mulheres e meia no Carnaval"... Não tenho a mínima inveja. Coisas passageiras não me satisfazem, sentimentos vazios não me dão brilho nos olhos. Não me importo de passar meses, quem sabe anos, sem ninguém por que eu sei que em algum momento, quando eu estiver pronto, alguém vai aparecer mudando todos os meus paradigmas. Alguns dirão que, se eu me tornar um pegador, mais rapidamente aparecerá alguém. E eu penso, será que uma pessoa quase vazia de sentimentos pode ser capaz de reconhecer algo verdadeiro? Não sei. Não quero descobrir.

Outra coisa que me fez perceber o quanto minha personalidade é antiquada foi o Tinder. Conversando com amigos, percebi que aquilo não serve para muita coisa a não ser procurar parceiros para transar loucamente a troco de nada. Aceitei com um péssimo bom grado um perfil criado naquilo por um amigo (depois de me encher a paciência para fazê-lo, ele o fez por mim), nem para falar que tinha. Não demorei a sentir que aquilo era um mercado virtual onde a aparência era o centro de todas as razões para que você ganhasse um like. E como beleza é meu atributo mais ausente, não está entre as primeiras coisas que eu procuro em uma mulher também (quem sou eu pra exigir o que não tenho né). E sentir isso me deprimiu. Não por ser feio, mas por sentir que cada um de nós pode ser descartado por não ser "bonitinho" o suficiente para determinada pessoa. E aí entra efemeridade que o Tinder me passou. Não serve para nada o que eu (ou qualquer uma pessoa) possa ter de bom se eu não for um deus grego. Por alguma razão, obtive um match e não dei like algum. Meu amigo Gabriel o fez por mim também, por conta própria. Provavelmente não agradei meu único match.  E depois clicar no X para todo mundo, apaguei meu perfil. Sobrevivi.

Fiquei devidamente impressionado também pela forma que praticamente todo mundo com um perfil no aplicativo atira para todos os lados, sai com várias pessoas de forma simultânea, mas não ao mesmo tempo (isso foi uma piada, pense para entender). E isso, me leva a pensar sobre meu conceito de fidelidade.

Fidelidade é um negócio simples, mas é complicado pra caramba. Acredito que posso me considerar uma pessoa que leva a fidelidade a sério. Pelo menos nunca traí ninguém, ou mesmo tive vontade. E posso afirmar com clareza e certeza que jamais o farei. Gosto de ser fiel. Mas a fidelidade é um conceito muito amplo. Sou fiel a muitas coisas na vida. Por exemplo, sou extremamente fiel a um picolé de limão. Sério. Não troco por nenhum outro picolé, por mais gostoso e sedutor que outro possa me parecer. E é muito parecido, para mim, quando me interesso por alguém e as coisas vão caminhando. Não atiro para todos os lados. Me mantenho fiel ao meu sentimento de ter sido cativado por alguém específico e não pela necessidade que todos parecem ter de ficar pulando por aí de uma pessoa para outra. Gosto de conhecer aos poucos uma pessoa, e conhecendo várias ao mesmo tempo não vai me dar o prazer de estar ali, presente, e não pensando que eu poderia estar me divertindo com a Mauricélia ou a Antônislaura, ou com as duas juntas. E mais umas amigas delas. Provavelmente sou uma pessoa monótona, muito século XIX.

Bom, basicamente escrevi tudo isso para dizer que não entendo nada do que está acontecendo. Sou romântico, sentimental e vivo numa utopia coracional (tem a definição no Dicionário Cadurélio também) demais para compreender, e gosto ainda mais de ser assim. Não preciso mudar para ser aceito por alguém e, aliás, não preciso ser aceito por ninguém. E aí  mora a beleza de sermos quem somos e termos orgulho por isso. Apesar de às vezes me sentir um pouco deslocado desse mundo que está rodando aí... Mas uma hora aparece alguém com quem dividir meu jeito absurdo de ser. Ou não. São os problemas de ser fora de moda.